sexta-feira, 26 de junho de 2015

O encanto do caos

Sabe, tem horas que a vida pede calmaria em outras a calmaria pede vida. E num constante balançar de desejos o sim e o não se complementam e se distanciam de maneira tenra, sublime, sutil, avassaladora!
      A vida é como um sorvete de chocolate com cobertura de vinho do porto, doce, amarga e de veras, forte... Mas, chega um momento em que toda essa fortaleza se desmorona, não para renascer frágil, não para ser pedaço, não para ser diluição, mas para multiplicar-se ... E com a tal da multiplicação os pedacinhos de fortaleza que em outrora eram vistos como elementos de um todo, tornam-se particulares, únicos, repletos de individualidade.
      Eis que surge uma individualidade fascinante, daquela de quem já fez parte do todo, e, se aquieta apenas para observa-se mais de perto, com carinho, com cultura, com solidez. Paradoxal? Um tanto, mas é exatamente do caos que emergem as grandes transformações, é de uma bagunça de pensamentos que brotam as grandes ideias, são desorganizações sinápticas que fazem um agrupamento sutil de bem-estar. Ali, bem no comecinho do conhecimento... Se no cérebro é dessa maneira, imaginemos no macrocosmo!
     Certa vez ouvir falar que o corpo humano é uma espécie de microuniverso... Fantástico argumento, analisando bem, são reações enzimáticas que ocorrem no caos, não ao acaso, mas num processo intenso de transformação de energia. Se no corpo humano, puramente fisiológico, o caos opera com maestria, como ocorreria na mente individual e coletiva?
     Pensar, agir, construir. Tão corriqueiro ouvir tais verbos cantarolados diariamente, palavras ao vento? Se o ser humano é um caos fisiológico ambulante, como posso esperar uma sociedade organizada, perfeitinha, dotada de regras e preceitos? É simples, caro amigo leitor, até para ser caos é necessário ter um quê de organização, definição...
      Precisa no meio do êxtase enérgico criar algo, não porque se obriga, mas, porque é natural... E, o caos é simples, é indolor, é dotado de conhecimento apenas por mudar paradigmas, pela singela necessidade de criar o novo, de evoluir. Talvez seja por isso que tudo é mutável. E assim as verdades ‘’absolutas’’ de hoje foram as mutações caóticas do ontem.
      E quem consegue dizer que sim? Alguém se atreve a dizer que não? São misturas de pensamentos tangíveis e intangíveis... E como ter sanidade mental em meio a um turbilhão de pensamento? E como ser insano? São pensamentos arraigados a constante necessidade humana de liquidar com sua fome de saber, de amor, de sucesso, de família. É encantadora a necessidade humana de ser sempre mais, de ser poema, de ser notícia, de ser proza, de ser filme, de ser emoção e razão. É belo ser individual coletividade...
       E que a mutabilidade reine na essência caótica da natureza humana, e que um dia consigamos nos orgulhar de tudo isso!

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O bom e antigo cheiro dos Livros...

 E de repente as palavras saltaram em sua mente. Não, não eram palavras simples como antigamente. Dessa vez, eram fonemas  fortes, vibrantes, coloridos. Pareciam que tinham sido confeccionados sob medida para ela. Não dava para distinguir onde começavam os escritos e onde estava o inicio de seu pensar. Era como se tudo fizesse parte do mesmo inteiro. Não havia metades. Era uma cena formidável. Encantadora.
      Podia sentir revolto no ar um cheiro suave de vida. Um movimento que terminava por se fazer num circulo de luz. Era realmente lindo. Pétalas delicadas de sonhos estavam ali descritas em tom cinza contrastando com o branco do papel que lhe sorria, e, comtemplava tamanha paixão desabrochar. Era uma paixão antiga, daquelas que faz a gente cultiva desde a infância. Ela se sentia completa, aquele definitivamente era o seu habitat, mas do que natural.
      Onde ela estava? Muito fácil de descobrir. Bastava conhecer um pouco de sua história de vida literária. Aquele orvalho de conhecimento que pairava no ar perfazia o cenário da biblioteca. A biblioteca central, definitivamente era o seu local preferido. Um pouco pitoresco, talvez. Mas, ela sabia que a emoção que certos livros traziam em suas laudas, era impossível de se reconstruir em outro ambiente qualquer.
      A biblioteca abrigava em sua estrutura um quê de mistério, podia se percorrer anos a fio em segundos de pesquisas. Se lhe apetecesse um novo amor poderia recorrer aos amores barrocos. Um toque de arte geométrica estava convictamente guardada nos exemplares simbolistas. Mas, havia dias em que a realidade mundana estava atrapalhando as suas ideias, e um tom socrático poderia se fazer presente para resvalar seu olhar.
      Ela sabia perfeitamente onde sentar para ler o gênero que combinasse com suas esquisitices do dia. A mesa acochada da direita era perfeita para sonhar com a infância- fabulas, contos. Era exatamente o lugar onde tinha lido Alice no país das maravilhas há algum tempo. O pufe amarronzado que ficava no canto da esquerda, era o melhor local para filosofar, pois, permitia que entrasse em seu mundo. Alguém havia lhe dito que poderia se conectar com o hemisfério direito do cérebro sentando ali. Quanta blasfêmia - ela pensava... Mas, ainda assim achava melhor não contrariar.
       Quando estava querendo pensar cientificamente sentava-se na mesa central. Parecia mais silenciosa, e, ela conseguia conectar os dois hemisférios cerebrais para desenvolver um senso crítico cientifico. No fundo ela adorava a brincadeira com os lugares, pois, parecia que era um segredo seu com a biblioteca, mesmo sabendo que nada fazia muito sentido cientifico.
        Pegou um livro que ainda não conhecia. Era novo naquele ambiente. Delicadamente segurou o livro nas mãos, e, sua primeira ação foi sorver o aroma que exalava daquela obra. Pergunte a alguém que realmente ama os livros, é o cheiro do livro que impressiona inicialmente os sentidos. Parece que ativa uma área de prazer no cérebro, que desencadeia uma serie de sinapses que lhe convida a viajar no mundo do autor. Ah, os cheiros como valiosos são...
        Ela não resistiu e se entregou completamente àquele porre literário.  Na capa do livro estava desenhada uma jovem flutuando com o prazer da leitura. E, ela era aquela jovem. Felicidade clandestina. Eis o nome da obra. Parecia que o ato de observar a capa do livro fazia com ela  se conectasse a realidade. Era uma sensação esquisita. O mundo literário se fazia tão real. Tão vivo e tangível. E, foi naquele mágico instante que ela finalmente se apresentou a Clarice Lispector. Não que não a conhecesse antes, até já lera outra obra. Mas, foi como se ela finalmente tivesse se despidos dos preconceitos e se apresentasse completamente nua de amarras sociais a Clarice. Naquele momento sentiu-se amiga íntima. E se pôs a pensar...
      - Sempre li Clarice Lispector o que houve? Porque está tudo tão diferente do normal. O que a deixou mais profunda, mais apaixonante? Irresistível? – conversou  consigo.
        Não obtendo resposta.  Permaneceu na biblioteca pitoresca, rodiziando os cantos literários, pois, queria confirmar as teorias cerebrais.  Ficou nesse joguete por rápidas cinco horas, quando o som da buzina anunciou que  a biblioteca estava prestes a  fechar.  Deixou o livro na estante numero cinco, pois, o cartão não lhe permitiria levar mais livros para casa. E, se foi. No caminho a ideia literária não saia da mente...
        Ao chegar a casa correu para seu Tablet, fez o download  do livro para saciar a sede de uma boa leitura. Leu uma, duas, três páginas e nada de emoção. Tentou sentir o cheiro da obra. Mas se fazia tão fria, tão tecnológica. Ela era fã da modernidade. Mas, o sabor da leitura estava diferente.  A emoção estava robótica, era mais uma “desemoção”. Decidiu trocar de lugar no seu quarto. Correu para esquerda, depois para direita, para o centro e nada de recuperar o prazer, definitivamente o problema não era de estimulação cerebral.  Descontente,  findou com a viagem literária naquele dia.
       O sol a acordou logo cedo, e, sem cerimônia ela correu para a biblioteca central. Ao chegar ao local, sorveu a felicidade clandestina Clariciana. Toda a emoção foi resgatada. O cheiro suave do livro e a simplicidade de suas laudas fez com que ela finalmente entendesse o real motivo de se escrever livros. Uma arte milenar que carrega em seu âmago, não apenas um conjunto e letras em bits. É um odor nada virtual com uma certeza que entrega ao tempo a efemeridade de ser humano, de ser mortal, e, ainda assim ser inesquecível ...
      Já dizia o poeta quem escreve um livro constrói um castelo e aquele que lê passa a habitá-lo

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

E, esse tal negócio de ser gente, minha senhora?

Sabe por que eu gosto de gente?

Gente tem um quê de ternura que só a gente entende. Faça dia ou faça sol, gente levanta cedo e vai rumo a vida, mesmo que sem muito jeito, mas com muito carquejo.

Eu gosto mesmo é de gente com aquele ar de eu-sou-gente, e, ponto final. Gente que não se amedronta com o banal, gente que transpõem limites intransponíveis.  Gente que ri na cara, que chora escondido, que emociona multidões mesmo quando se está sozinho.

Gente sabe pintar a aurora da vida, sabe sorrir, sabe chegar, sabe partir, sabe se fazer presente quando ausente, sabe ser cor, ser tenaz com muita ousadia.

Admiro até gente que perde a esperança, mas que termina por reencontra-la sem querer. Sabe naqueles dias de descuido, quando tudo parece perdido, e de repente, gente que nem a gente, se transforma num poço de sabedoria, com uma maestria nada rebuscada?

‘’Eita’’, que há muita magia em ser gente, meu senhor!

Gosto de gente com vocabulário simples, gente que só usando gestos, sorrisos, trejeitos, são entendidas sem muito pudor, mas com todo respeito.

Gente, aquelas das mais excêntricas, são as que me atraem, porque se atrevem a desmontar um mundo estático, e nos faz refletir como moldável são as nossas futuras realizações.

Gente é tipo um lego (lembra daquele brinquedo infantil?), a gente vai montando os pedacinhos, sem um projeto prévio, e quando percebe criou uma obra prima, altamente flexível. Gente tem peças de lembranças que se encaixam perfeitamente em peças de futuro de um modo tão inesperado, que é impossível qualquer contemporâneo explicar...

Isso sem falar no corpo da gente, uma máquina perfeita, que mescla conhecimentos da engenharia, da robótica, da filosofia, da anatomia, da fisiologia, das emoções, das condutas... Ops, Com tamanha imensidão seria mesmo uma máquina? Gente está acima de qualquer conceito... É fascinantemente fascinante!

E lá no fundo, o que eu gosto, e, gosto mesmo, é do sorriso da gente. Tem um tipo especial de gente que sorri com a alma, mesmo naqueles dias em que a carapaça parece estar triste, elas lançam sorrisos tão energético em nossa direção, que as próprias lágrimas são banhadas de ternura. É meio louco explicar essas coisas, só sendo muito gente para entender.

Ah...  Mas há também gente que optou por ser triste, e, não-sei-lá-porque tem um encanto peculiar, é como se a tristeza trouxesse alegria ou contentamento. Ser feliz por ser triste. E, olhe que não sei como, a pureza energética também continua sedutora, como se estivesse repleta de penduricalhos.

É muito difícil falar de gente, fácil mesmo é se encantar por ela, no elevador, na fila do banco, no trânsito, no ônibus, a beira mar, num dia de chuva, numa tarde de sol... É fácil ficar boquiaberta com tamanha diversidade. É divino...

Desconfio que tenha sido por isso que decidi passar o resto da vida trabalhando como consertadora de gente, não que exista um problema com gente de fato, ás vezes pequenos ajustes dão resultados fantásticos, mas, cá entre nós, no final é essa tal gente que termina por me consertar!

Ah! Como eu gosto do gosto de ser gente!

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Jeans da segunda

Tem dias que o sol parece acordar com um quê de novidade. Você sente a mudança, percebe que o ar está mais leve, a vida faz um pouco mais de sentido, e os seus medos começam a se esvair... Nesses dias você corre para o guarda roupa, pensa em sair casual, pega o seu melhor jeans e se apronta para a vida.
Jocosamente, o velho jeans que estava ali o tempo todo no seu guarda roupa, que era parte de você, seu estilo, sua companhia, seu comodismo, hoje parece folgado, amarrotado, simplesmente não cabe mais em você. Não para sua configuração atual. Não para esse seu novo eu!
E você se pergunta:  o que aconteceu com o meu jeans favorito? Cresceu? Mudou? Ontem à noite ele estava perfeito, combinou com a blusa que ganhei sábado à noite. Quanta mudança em apenas vinte e quatro horas. É possível que essas mudanças sejam reais? Mas o que é realidade? Talvez seja esse o problema, combinar o novo com o velho. Costumo dizer que as mudanças ocorrem cotidianamente, aos pouquinhos, e, sem percebermos, estamos renovados, com gostos e aspirações distintas. Não que tenha ocorrido em apenas um dia, mas, foi apenas neste novo dia que a mudança se fez revelar...
Ah, as mudanças! A renovação! Se a gente bem soubesse abriríamos a porta da vida diariamente para o novo. Deixaríamos velhas atitudes de lado, desejos irrisórios, amores que consomem nossa energia, amizades que nos sugam, empregos que nos diminuem... Se corajoso fossemos, seriamos muito mais felizes!
E então, doce amiga, sem muito dilema, você percebe que o problema não está num simples tecido inanimado, mas nos seus tecidos, sem entender muito bem o porquê de tudo, cada célula sanguínea no seu corpo vibra por vida. Quer a emergência do novo, a delicadeza da realidade. É como se você acordasse em plena segunda-feira, e percebesse que é hora de mudar, hora de prosseguir, hora de parar de culpar os outros por seus erros, hora de virar o olhar em direção ao novo. Hora de deixar para traz antigos receios, relacionamentos que deram certos apenas no ontem, artigos ainda não terminados, antigas dúvidas....
E, como uma ingênua aprendiz, você para, olha em volta, sente a brisa leve da vida ao deslizar seus pés na areia do mar, e descobre o tamanho da mudança latente em que se transformou. Sem muita cerimonia, destrói antigos preceitos, inicia novas relações, veste seu melhor sorriso, e decide fazer o que há de melhor nessa existência – VIVER!


domingo, 6 de julho de 2014

Um bom batom vermelho e suas histórias...

Ela estava ali, quieta, serena, pensando um pouco na vida... Não sabia se deveria transformar-se em ação naquele exato momento. Sabia apenas que gostaria de ver movimento, mudança, reciclagem de energias.
Engraçado esse lance de energia, há quem diga que é apenas um modo de conduzir a um pensamento holístico, há quem pense em magnetismo, metabolismo, física quântica, há quem mensure sua potência reduzindo-a a números, há até quem cobre por ela. Terapeutas, Físicos, empresários, professores, iogues, tanta gente dependendo da energia para subsistência... Tão indefinida, tão necessária, tão igual a vida...
E, ainda perdida em meio a devaneios tão corriqueiros, conseguiu por um instante respirar profunda e energeticamente. Estava decidido!  Correu, pegou sua bolsa, passou o batom vermelho cereja nos lábios, vestiu o seu melhor sorriso e foi à luta.
É incrível como uma mulher consegue sentir-se tão forte ao usar um batom vermelho, parece que o mundo de pronto rende a seus pés, ela consegue ser notada, ouvida, desejada, admirada. Fica sensual e misteriosa. Inteligente e sagaz. Se as boas mulheres bem soubessem nunca tirariam o batom vermelho de seus lábios, talvez só naqueles dias em que são encantadores confundir o pensamento alheio.
Ligou o carro e saiu rumo a seu destino. No caminho apenas pensamentos de vitória passeavam pela sua mente. Era uma brincadeira tão positiva essa de ser feliz. Era uma brincadeira? Se retrocedêssemos um pouco a história de sua vida, iríamos perceber como ela havia se deixado de lado. Eram tantos compromissos, filhos, marido, trabalho, contas a pagar, parece que ela havia tirado férias de si mesma. Não que tivesse sido ruim, as férias foram ótimas. Ela vivera experiências incríveis. Aprendera bastante. Sorrira bastante. Mas, usou apenas um batom rosa durante tal período, por vezes, quando quis ousar fez uso de um tom mais alaranjado.
E os seus sonhos? E a vontade de revirar o mundo de ponta a cabeça? Estava tudo acabado? Quanto constrangimento em desistir de seus anseios. Se bem que outrora esse constrangimento era tão ínfimo. Hoje parecia quase insuportável. Quase, pois, ainda lhe restara a esperança do recomeço.
Subiu as escadas às pressas, passos duplos para ser mais exata. Respirou fundo e  de supetão abriu a porta para sua nova vida. Mergulhou de cabeça em seu sonho de infância. Estava de frente a sua primeira aula de teatro. Tremula, mas com um belo batom cereja nos lábios, não titubeou, ficou ali, participativa, ativa, viva.
Podia sentir a energia circular em suas veias. Qualquer um podia perceber o brilho em seus olhos, era a beleza de conhecer o novo. Apreendia cada lição com a alma. Finalmente tornara-se aprendiz de sonhos. Estava diante de uma nova aptidão desenvolvida. Eram movimentos, falas, entonações desejadas por toda uma vida. Era a coragem personificada. Tão simples, como costuma ser.
Ela permanecia mãe, profissional, amiga, e hoje sentia-se ainda mais mulher. No auge de seus cinquenta e sete anos não poderia conter a satisfação do novo. Descobriu-se capaz de somar sonhos. Era o primeiro passo. No futuro, um novo grande amor talvez?  Mas, hoje o poder do batom vermelho a conduziu ao êxtase. Experimentava uma satisfação nova, madura, resiliente, ousada.

Permaneço extasiada ao perceber a mudança que um simples batom vermelho pode causar na vida de uma mulher de 20, 30, 40, 50 ou mesmo 100 anos. Basta ser a simples mudança em forma de mulher.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

E de onde vem essa força?

Fiquei pensando como começar a nossa conversa de hoje, para que você se sinta em casa ao entrar nesse blog, e, queira fazer parte dele, devaneando comigo sobre o pensamento e os questionamentos de cura cotidianos. De início quero apresentar-lhes uma antiga amiga, hoje vamos chama-la de Dona Norma. Onde conheci? No ambulatório de mastologia (estou começando a crer que esse será o meu habitat natural). Há quanto tempo nos conhecemos? Ah, acho que há uma vida inteira...
O nosso primeiro contato foi assim: Dona Norma bateu timidamente na porta do consultório e entrou com um ar desconfiado e sapeca.  Parecia uma criança. Pude perceber que em suas mãos estavam alguns exames, provavelmente os de rotina. Tenho o hábito de tentar descobrir a queixa dos pacientes antes que eles possam me falar, porque assim, acredito que posso melhorar a minha habilidade de observação. Ao ver dona Norma tive certeza que ela estava ali apenas para os exames de seguimento (são exames que fazemos após o tratamento completo do câncer, apenas para nos certificarmos que está tudo correndo bem).  Para quebrar o silencio, tentei sorri-lhe acolhedoramente, e, perguntei:
- Bom dia, o que posso fazer pela senhora hoje?
Sem muito questionar, dona Norma retribui o sorriso, e falou:
- Não sei doutora, foi o outro médico que me mandou aqui. Terminei a minha décima segunda sessão de quimioterapia, e, parece que tem um novo nódulo na axila direita! - E sem muita cerimônia retirou o chapéu, e mostrou-me o couro cabeludo apenas com uma penugem sutil, delicada...
Foi a primeira “peça que Dona Norma me pregou”. Por um instante parei, e fiquei fitando-a nos olhos, queria entender o que se passava naquela cabeça, queria entender, suas certezas, sua fé na vida, seus medos. Ou os meus.  E, simultaneamente, queria ter um espelho em minha frente para perceber se estava conseguindo lançar o olhar angelical e curioso que eu desejava possuir naquele momento.
Conversei com Dona Norma por uns vinte minutos, nesse tempo ela me contou todas as dificuldades vivenciadas no tratamento. Sorrindo, ela me falou que algumas vezes pensou em desistir. Disse que perdeu a conta de quantas vezes olhava-se no espelho e não conseguia entender quem era aquela estranha a sua frente. E eu chocada e com toda experiência de um iniciante, tentei conforta-la falando do tratamento, mostrando que era possível lutar e ter esperança. É incrível como algumas vezes a gente tenta desenvolver uma empatia por alguém sem ao menos ter noção em que pensar. Hilária, a ousadia de principiante.
Até que ela no ápice da sua sabedoria, olhou para mim e falou:
- Não doutora, não estou falando dessa doença! Falo que não me reconhecia antes. Tinha uma vida atribulada. Tinha que acordar cedo, fazer comida, limpar a casa. Era uma loucura. Agora tenho mais tempo para mim. Doente consigo viver!
Espera... Para tudo! Vocês entenderam? Doente ela conseguia viver?! E saudável, fazia o que? Morria? Fiquei boquiaberta ao escutar aquelas declarações de dona Norma. Que inversão de valores é essa? O que vida mesmo? Quem em sã consciência começa a viver apenas depois que descobre que tem câncer? E o medo? E as dúvidas? E o desconhecido? Será que é tudo invenção de nossa mente? De onde vem essa fé na vida, ou, na morte? Religião? Cultura? Mecanismo de defesa psicológico?
Não sei ao certo como, mas, Dona Norma emanava uma energia tão positiva, que era de se fazer inveja. Mesmo desenvolvendo um novo tumor, não tinha qualquer foco metastático pelo corpo. Que processo de cura admirável é esse? Será que a vontade de viver é realmente o que se conta nesse momento? Recuso-me a acreditar que alguém queira morrer. Então, apenas o desejo não seria pouco?
Tenho a impressão que Dona norma desenvolveu um comando que sinalizou para todas as células que deveriam trabalhar adequadamente. Mas, se ela conseguiu desenvolver processo de cancerígeno é porque num instante passado ela conseguiu sinalizar um modo de trabalho errado, almejou a morte?
E como se faz para desejar a morte ou a vida?
Será que foram os excessos ou a falta que desenvolveu o câncer?
Perguntas, perguntas e mais perguntas? E, o que há na vida além da capacidade de nos perguntar? Ah, essa questão é fácil de responder, a capacidade de nos aceitar.
Que dona Norma vire Norma! E que todas juntas encontremos as respostas...

“ A vida nada mais é que um antes, um durante, um depois ... ”


terça-feira, 27 de maio de 2014

Ser mulher...

Atribuída a raios de beleza e luz por poetas e pintores, a mulher abriga em si uma natureza regeneradora e geradora de vida que é capaz de transformar o ambiente onde vive, com calma, pressa, delicadeza e precisão. Ela é capaz de ser esposa e mãe, chefe e subordinada, consegue atuar em diversas esferas do cotidiano, e, transpor os mais difíceis desafios... Mas, há algo que não se consegue perceber nesses percalços de sonhos... Onde e quando a mulher deixou de viver o seu ser? Em que momento ela se perdeu de si e esqueceu com candura de seus anseios?
Chega até soar um pouco egoísta tal proposta...
É difícil de compreender, pois, as loucuras do mundo moderno nos remetem a nos perder de nós mesmo, perdendo nosso eixo, ficamos a mercê da vontade de qualquer um...  E sem vontade, a nossa energia geradora de vida fica sem comando, desequilibrada, confusa, e termina por gerar doenças do corpo e da alma.
Estatísticas mostram que há um aumento gritante do câncer de mama em mulheres. E quem são essas mulheres? Antigamente verificava a emergência naquelas com um pouco mais de experiência de vida, nas sexta e sétima década especificamente. Hoje, as mais jovens estão sendo acometidas. Aquelas que estão em pleno período produtivo, no auge da forma feminina, no auge de sua capacidade intelectual. Em meio a tantos compromissos, a tantas emoções, são inseridas em um contexto de vida robótico, e, como máquinas, delegam a administração de sua força vital a qualquer pessoa... Ou a ninguém.
 Sem saber como lapidar suas energias, a maioria das mulheres entram de corpo e alma em empregos que estão muito abaixo de sua capacidade cognitiva. Submetem-se a relacionamentos que depereciam o seu bem-estar emocional, e, vão aceitando o que a vida lhes oferece, sem questionar, apenas acreditando ser o melhor... Será que de fato o é?
O que me inquieta, são todas as mulheres que não pararam para se auto entender. Será que o estilo de vida atual foi escolhido por elas em meio a tantas opções? Ou elas foram inseridas no contexto pela força motriz da sociedade?
Se a decisão emergiu de uma escolha consciente, confesso que isso me deixa feliz. Porque quando escolhemos, estamos convocando toda nossa energia para acertar. Estamos sendo positivas. Estamos nos lapidado.  Acreditando na possibilidade do bem evocamos as energias do universo e, se por um acaso viermos a falhar, teremos energia em abundancia para recomeçar...
...


 Apresento-lhes o meu mais novo trabalho: ‘’Mulher, um encanto a desvendar’’, um espaço só nosso, criado para que possamos nos sentir à vontade para falar das experiências cotidianas, medos, anseios e vida! Qual meu maior objetivo? Tentar amenizar os efeitos de tantas doenças do corpo e da alma que desenvolvemos sem perceber...


Sejam bem vindas!