sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O bom e antigo cheiro dos Livros...

 E de repente as palavras saltaram em sua mente. Não, não eram palavras simples como antigamente. Dessa vez, eram fonemas  fortes, vibrantes, coloridos. Pareciam que tinham sido confeccionados sob medida para ela. Não dava para distinguir onde começavam os escritos e onde estava o inicio de seu pensar. Era como se tudo fizesse parte do mesmo inteiro. Não havia metades. Era uma cena formidável. Encantadora.
      Podia sentir revolto no ar um cheiro suave de vida. Um movimento que terminava por se fazer num circulo de luz. Era realmente lindo. Pétalas delicadas de sonhos estavam ali descritas em tom cinza contrastando com o branco do papel que lhe sorria, e, comtemplava tamanha paixão desabrochar. Era uma paixão antiga, daquelas que faz a gente cultiva desde a infância. Ela se sentia completa, aquele definitivamente era o seu habitat, mas do que natural.
      Onde ela estava? Muito fácil de descobrir. Bastava conhecer um pouco de sua história de vida literária. Aquele orvalho de conhecimento que pairava no ar perfazia o cenário da biblioteca. A biblioteca central, definitivamente era o seu local preferido. Um pouco pitoresco, talvez. Mas, ela sabia que a emoção que certos livros traziam em suas laudas, era impossível de se reconstruir em outro ambiente qualquer.
      A biblioteca abrigava em sua estrutura um quê de mistério, podia se percorrer anos a fio em segundos de pesquisas. Se lhe apetecesse um novo amor poderia recorrer aos amores barrocos. Um toque de arte geométrica estava convictamente guardada nos exemplares simbolistas. Mas, havia dias em que a realidade mundana estava atrapalhando as suas ideias, e um tom socrático poderia se fazer presente para resvalar seu olhar.
      Ela sabia perfeitamente onde sentar para ler o gênero que combinasse com suas esquisitices do dia. A mesa acochada da direita era perfeita para sonhar com a infância- fabulas, contos. Era exatamente o lugar onde tinha lido Alice no país das maravilhas há algum tempo. O pufe amarronzado que ficava no canto da esquerda, era o melhor local para filosofar, pois, permitia que entrasse em seu mundo. Alguém havia lhe dito que poderia se conectar com o hemisfério direito do cérebro sentando ali. Quanta blasfêmia - ela pensava... Mas, ainda assim achava melhor não contrariar.
       Quando estava querendo pensar cientificamente sentava-se na mesa central. Parecia mais silenciosa, e, ela conseguia conectar os dois hemisférios cerebrais para desenvolver um senso crítico cientifico. No fundo ela adorava a brincadeira com os lugares, pois, parecia que era um segredo seu com a biblioteca, mesmo sabendo que nada fazia muito sentido cientifico.
        Pegou um livro que ainda não conhecia. Era novo naquele ambiente. Delicadamente segurou o livro nas mãos, e, sua primeira ação foi sorver o aroma que exalava daquela obra. Pergunte a alguém que realmente ama os livros, é o cheiro do livro que impressiona inicialmente os sentidos. Parece que ativa uma área de prazer no cérebro, que desencadeia uma serie de sinapses que lhe convida a viajar no mundo do autor. Ah, os cheiros como valiosos são...
        Ela não resistiu e se entregou completamente àquele porre literário.  Na capa do livro estava desenhada uma jovem flutuando com o prazer da leitura. E, ela era aquela jovem. Felicidade clandestina. Eis o nome da obra. Parecia que o ato de observar a capa do livro fazia com ela  se conectasse a realidade. Era uma sensação esquisita. O mundo literário se fazia tão real. Tão vivo e tangível. E, foi naquele mágico instante que ela finalmente se apresentou a Clarice Lispector. Não que não a conhecesse antes, até já lera outra obra. Mas, foi como se ela finalmente tivesse se despidos dos preconceitos e se apresentasse completamente nua de amarras sociais a Clarice. Naquele momento sentiu-se amiga íntima. E se pôs a pensar...
      - Sempre li Clarice Lispector o que houve? Porque está tudo tão diferente do normal. O que a deixou mais profunda, mais apaixonante? Irresistível? – conversou  consigo.
        Não obtendo resposta.  Permaneceu na biblioteca pitoresca, rodiziando os cantos literários, pois, queria confirmar as teorias cerebrais.  Ficou nesse joguete por rápidas cinco horas, quando o som da buzina anunciou que  a biblioteca estava prestes a  fechar.  Deixou o livro na estante numero cinco, pois, o cartão não lhe permitiria levar mais livros para casa. E, se foi. No caminho a ideia literária não saia da mente...
        Ao chegar a casa correu para seu Tablet, fez o download  do livro para saciar a sede de uma boa leitura. Leu uma, duas, três páginas e nada de emoção. Tentou sentir o cheiro da obra. Mas se fazia tão fria, tão tecnológica. Ela era fã da modernidade. Mas, o sabor da leitura estava diferente.  A emoção estava robótica, era mais uma “desemoção”. Decidiu trocar de lugar no seu quarto. Correu para esquerda, depois para direita, para o centro e nada de recuperar o prazer, definitivamente o problema não era de estimulação cerebral.  Descontente,  findou com a viagem literária naquele dia.
       O sol a acordou logo cedo, e, sem cerimônia ela correu para a biblioteca central. Ao chegar ao local, sorveu a felicidade clandestina Clariciana. Toda a emoção foi resgatada. O cheiro suave do livro e a simplicidade de suas laudas fez com que ela finalmente entendesse o real motivo de se escrever livros. Uma arte milenar que carrega em seu âmago, não apenas um conjunto e letras em bits. É um odor nada virtual com uma certeza que entrega ao tempo a efemeridade de ser humano, de ser mortal, e, ainda assim ser inesquecível ...
      Já dizia o poeta quem escreve um livro constrói um castelo e aquele que lê passa a habitá-lo