domingo, 6 de julho de 2014

Um bom batom vermelho e suas histórias...

Ela estava ali, quieta, serena, pensando um pouco na vida... Não sabia se deveria transformar-se em ação naquele exato momento. Sabia apenas que gostaria de ver movimento, mudança, reciclagem de energias.
Engraçado esse lance de energia, há quem diga que é apenas um modo de conduzir a um pensamento holístico, há quem pense em magnetismo, metabolismo, física quântica, há quem mensure sua potência reduzindo-a a números, há até quem cobre por ela. Terapeutas, Físicos, empresários, professores, iogues, tanta gente dependendo da energia para subsistência... Tão indefinida, tão necessária, tão igual a vida...
E, ainda perdida em meio a devaneios tão corriqueiros, conseguiu por um instante respirar profunda e energeticamente. Estava decidido!  Correu, pegou sua bolsa, passou o batom vermelho cereja nos lábios, vestiu o seu melhor sorriso e foi à luta.
É incrível como uma mulher consegue sentir-se tão forte ao usar um batom vermelho, parece que o mundo de pronto rende a seus pés, ela consegue ser notada, ouvida, desejada, admirada. Fica sensual e misteriosa. Inteligente e sagaz. Se as boas mulheres bem soubessem nunca tirariam o batom vermelho de seus lábios, talvez só naqueles dias em que são encantadores confundir o pensamento alheio.
Ligou o carro e saiu rumo a seu destino. No caminho apenas pensamentos de vitória passeavam pela sua mente. Era uma brincadeira tão positiva essa de ser feliz. Era uma brincadeira? Se retrocedêssemos um pouco a história de sua vida, iríamos perceber como ela havia se deixado de lado. Eram tantos compromissos, filhos, marido, trabalho, contas a pagar, parece que ela havia tirado férias de si mesma. Não que tivesse sido ruim, as férias foram ótimas. Ela vivera experiências incríveis. Aprendera bastante. Sorrira bastante. Mas, usou apenas um batom rosa durante tal período, por vezes, quando quis ousar fez uso de um tom mais alaranjado.
E os seus sonhos? E a vontade de revirar o mundo de ponta a cabeça? Estava tudo acabado? Quanto constrangimento em desistir de seus anseios. Se bem que outrora esse constrangimento era tão ínfimo. Hoje parecia quase insuportável. Quase, pois, ainda lhe restara a esperança do recomeço.
Subiu as escadas às pressas, passos duplos para ser mais exata. Respirou fundo e  de supetão abriu a porta para sua nova vida. Mergulhou de cabeça em seu sonho de infância. Estava de frente a sua primeira aula de teatro. Tremula, mas com um belo batom cereja nos lábios, não titubeou, ficou ali, participativa, ativa, viva.
Podia sentir a energia circular em suas veias. Qualquer um podia perceber o brilho em seus olhos, era a beleza de conhecer o novo. Apreendia cada lição com a alma. Finalmente tornara-se aprendiz de sonhos. Estava diante de uma nova aptidão desenvolvida. Eram movimentos, falas, entonações desejadas por toda uma vida. Era a coragem personificada. Tão simples, como costuma ser.
Ela permanecia mãe, profissional, amiga, e hoje sentia-se ainda mais mulher. No auge de seus cinquenta e sete anos não poderia conter a satisfação do novo. Descobriu-se capaz de somar sonhos. Era o primeiro passo. No futuro, um novo grande amor talvez?  Mas, hoje o poder do batom vermelho a conduziu ao êxtase. Experimentava uma satisfação nova, madura, resiliente, ousada.

Permaneço extasiada ao perceber a mudança que um simples batom vermelho pode causar na vida de uma mulher de 20, 30, 40, 50 ou mesmo 100 anos. Basta ser a simples mudança em forma de mulher.